domingo, outubro 01, 2006

Discurso do Presidente Parlamento Nacional

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR LESTE
PARLAMENTO NACIONAL
ABERTURA DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA
Discurso de S. Exa. o Presidente do Parlamento Nacional de Timor-Leste, Sr. Francisco Guterres "Lu-Olo", proferido em ocasião da Abertura da Quinta Sessão Legislativa:


Desconheço alguma democracia que sobreviva sem uma assembleia parlamentar que represente o povo que a elegeu, bem como as tendências políticas pulsantes na sociedade onde se insiram. Os parlamentos são tão essenciais ao regime democrático como a água é fonte da vida. Os colégios parlamentares representativos dos cidadãos constituem o fulcro da democracia, seja qual for a forma de governo, seja qual for o figurino constitucional da repartição de poderes, seja qual for o sistema eleitoral que determine a escolha dos eleitos.

Mesmo em nações com regimes dirigistas ou o poder executivo mais concentrado, as instituições parlamentares detêm, ainda assim, poder legislativo ao menos concorrencial, constituindo instâncias tipicamente vocacionadas para a descodificação das correntes de opinião e a interpretação - constante, permanente e actualizada - dos anseios dos seus representados.

Chamo a vossa atenção para o caso dos nossos vizinhos indonésios, cuja câmara legislativa impulsionou recentemente e tem vindo a protagonizar - quem sabe se em sincronia com as ideias do Executivo! – alterações significativas às leis punitivas de condutas obscenas ou imorais.
Refiro-me às controversas iniciativas apelidadas de anti-pornografia, que precisamente por serem polémicas realçam a autonomia e a coragem política de um órgão de soberania que não pretende deixar os seus créditos por mãos alheias.

Como vos dá conta o relatório das actividades que o Parlamento Nacional levou a cabo na sessão legislativa finda, ainda não há muito tempo, em Novembro de 2005, este órgão de soberania teve o grato prazer de participar, na Tailândia, num encontro da Associação dos Parlamentos da Ásia para a Paz.

Nesta sub-região da Ásia-Pacífico onde geograficamente nos integramos, os países que prezam a democracia têm assembleias legislativas, independentemente dos sistemas de governo, presidencialistas ou parlamentaristas, que neles vigorem. É conhecida a heterogeneidade cultural, política e religiosa que caracteriza o sudeste asiático. Seremos diferentes nos aspectos antropológicos que marcam a identidade de cada um dos nossos Estados, mas convergimos no entendimento de que a democracia é indissociável da existência de assembleia representativa dotada de poderes constitucionais, mais ou menos amplos consoante os formatos político-constitucionais de que partam.

Seja na Tailândia, onde vigora uma monarquia constitucional. Seja na Malásia ou em Singapura, com sistemas de governo de pendor parlamentarista. Seja no Vietname ou no Laos, apesar do dirigismo colectivista e do unipartidarismo que ainda influenciam o regime político. Seja no Cambodja, de raiz monárquica, mas em plena fase de transição, sob os auspícios das Nações Unidas, para a democracia multipardidária. Seja na Indonésia ou nas Filipinas, de tradição presidencialista.

Não aceito, pois, que o nosso parlamento, berço do regime político que constitucionalmente gerámos, esteja agora frequentemente a ser atacado, posto em causa ou menorizado.

Contra todas as crises políticas ou sociais, contra quaisquer tentativas de ruptura violenta da legalidade democrática, contra os vilipêndios teimosos de anti-democratas detractores do regime democrático, o Parlamento Nacional foi, é e continuará a ser a assembleia representativa de todos os timorenses, a casa onde a sua voz sempre ecoará, o garante do cumprimento das leis contra os abusos do poder, o fiel da balança em clima de diálogo institucional.

Sem parlamento, sem respeito pelo jogo democrático, sem Estado de Direito, só vislumbro ditadura, autocracia ou opressão, que o nosso povo sempre rejeitou categoricamente. Sem regras que assegurem o equilíbrio de poderes e a observância do primado do Direito, resvalar-se-ía facilmente para a tentação totalitária de amordaçar aqueles direitos, liberdades e garantias inerentes à dignidade humana que tanto custaram a alcançar com a restauração da independência e o reconhecimento internacional do nosso direito à autodeterminação.

Não vamos cruzar os braços e aceitar, placidamente, o desvirtuamento da legitimidade democrática, principalmente quando ouvimos clamar por reivindicações tão absurdas como a dissolução do Parlamento Nacional, ainda por cima quando já se encontra formado e em funções um novo governo. Como se o Parlamento tivesse vindo para a rua cometer crimes! Como se ao Parlamento, como instituição colectiva, fosse possível atribuir imputabilidade criminal! Como se o Parlamento estivesse na berlinda dos inquéritos em curso aos factos violentos de Abril e Maio passados!

Não nos deixemos subjugar, sejam quais forem os interesses que estiverem em jogo. Ultrapassemos, com alto sentido de responsabilidade, a grave crise que, uma vez mais, tanto sofrimento já causou ao povo que representamos.

A crise é profunda e deixou marcas, difíceis de sarar, na sociedade. Lanço daqui, todavia, uma palavra de esperança a todos os timorenses. A apatia momentânea das instituições do Estado, fruto da violência dos últimos tempos, está a terminar.

O exemplo partiu do próprio Parlamento Nacional. Atordoou-se, mas acordou. Não morreu nem é legítimo assassiná-lo. Assassinando-o, também a Nação seria assassinada!

Vencemos depressa a letargia, recuperámos as forças, retomámos a vitalidade da instituição, respondemos com firmeza às ameaças que sobre nós pairaram!

Recompostos, não vamos deixar a democracia moribunda. Os fundadores da Pátria e os nossos avós e antepassados, que se sacrificaram pela causa da independência e que por ela tanto sangue derramaram, não nos perdoariam. Dariam muitas voltas nos seus túmulos se sonhassem que seríamos capazes de nos desalentarmos e desistir de pugnar pela consolidação do sistema democrático.

Timor-Leste precisa de paz. O crescimento económico não se compadece com insegurança, instabilidade, conflitualidade e perda de confiança.

Para recuperar o rumo da prosperidade, apelemos à nossa própria identidade nacional, à nossa unidade e aos valores que nos caracterizam:

● A simplicidade;
● A tolerância;
● O amor à família;
● A paixão pela harmonia social;
● A abertura ao diálogo e à reconciliação.

Apesar da fraca produção legislativa, em termos quantitativos, que marcou a quarta sessão legislativa, cabe exaltar a aprovação da importante lei, tão esperada, sobre os combatentes da libertação nacional, a qualidade dos debates orçamentais e dos relatórios e documentos produzidos no âmbito dos respectivos processos regimentais e a continuidade que foi dada, sem desfalecimentos, à actividade fiscalizadora incessante que se insere na esfera de competências do Parlamento Nacional. Não sofreram interrupção nem as visitas de trabalho aos distritos nem o hábito de fazer audiências públicas, que é apanágio das comissões parlamentares, sobre iniciativas legislativas pendentes ou temas relevantes em análise.

Estamos plenamente em condições para, em liberdade, iniciarmos novo ano legislativo, cumprindo, ainda com mais empenho e dedicação, as responsabilidades políticas e legislativas que o povo nos confiou.

Começaremos exactamente pelas leis eleitorais, que, constituindo diplomas legislativos estruturantes da ossatura político-constitucional do nosso sistema democrático, estão já a ser discutidas, em fase preliminar, no âmbito da comissão parlamentar competente.

Muito obrigado!

Bem hajam!
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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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