quinta-feira, novembro 23, 2006

Língua fácil uma, ou?

Mais um artigo excelente do blog Living Timorously:
(Tradução da Margarida)
19 Novembro 2006

Um dos argumentos contra o uso do Português em Timor-Leste é que é difícil de aprender, particularmente a sua gramática. Deixando de lado que isto é um insulto à inteligência dos Timorenses, isso ignora completamente o facto de o Inglês ser também difícil para os que a aprendem como língua estrangeira.

Uma das razões para esta ideia errada é que muita gente que fala Inglês na Ásia do Sudeste fala uma versão simplificada, geralmente influenciada por línguas nativas - Singlish na Singapura e Manglish na Malásia são os melhores exemplos conhecidos. Consequentemente, pessoas que dizem que falam Inglês fluentemente, falam uma forma que para os falantes nativos de Inglês soa partida, se não ilegível.

As conjugações dos verbos em Português podem certamente parecer um problema aos que o estão a aprender, mas que tal acerca dos verbos Ingleses, sem mencionar os irregulares? Pelo menos em Português, uma vez aprendida uma forma de verbo irregular, pode-se usá-la na negativa e na interrogativa, ao contrário do Inglês. Por exemplo, pode-se dizer "you went", mas não se pode dizer "I didn't went" ou "did I went?" mas no Português, "eu fui", "eu não fui" e "eu fui?" todos usam o mesmo tempo gramatical do verbo em todas as formas.

Um outro desafio para os que aprendem o Inglês é o facto de haver mais do que uma expressão que pode ser usada no fim de uma frase, daí a tendência para usarem "não é?" com todos os verbos e tempos gramaticais. Eu consegui arranjar um amigo Timorense, que agora aspira ser político, a dominar as diferentes formas, dando-lhe exemplos: "you fancy that girl, don't you?", "she's very pretty, isn't she?" and "lots of guys would like to date her her, wouldn't they?" Talvez que desde que regressou a Timor-Leste, a sua gramática de Inglês se enferrujou um tanto, não é verdade?

Ao longo dos anos tenho ajudado Timorenses a estudarem nas universidades no Reino Unido nas suas composições, ou mais especificamente no seu Inglês escrito, e é aqui que a sua falta de fluência na língua se vê. São educados no Indonésio, e a maioria não fala Português, mas é interessante ver a extensão da influência do Português no seu vocabulário, que lhes chegou via Tétum: "recourses" (de recursos) em vez de resources; "representante" (de representante) em vez de representative; "explorators" de exploradores em vez de exploiters; "canalize" (de canalizar) em vez de to channel; e "comparation" de comparação em vez de comparison.

A gramática, contudo, é influenciada pelo Indonésio, daí a frequente omissão do verbo 'to be', particularmente nas construções passivas. Por exemplo "women still seen", "will not left out" - em Indonésio, estes verbos usariam a forma passiva do verbo, com o prefixo "di-" usado no mesmo modo que o sufixo "-ed" é em Inglês. (o Tétum, por contraste, não tem tempo passivo.)

O Inglês falado é mais influenciado pelo Tétum, um reflexo do seu estatuto como língua nacional. Os seus falantes usam "or not?" em Inglês (de ka lae?) dado que isso é usado regularmente em Tétum como a interrogativa. (A frase di'ak ka lae? ou "como está? Traduz-se literalmente por "bom ou não?") Isto encontra-se noutras línguas Asiáticas, nas quais isso é considerado polido, mas pode soar duro ou rude em Inglês: quer isto ou não? É usado em Singapura. Muitos também usam "ou?" como uma expressão, daí "vai para casa, ou?" (from ita bá uma, ka?) O artigo indefinido em Tétum, ida, is put after the noun, assim os falantes de Tétum dizem "ir para a casa uma ". (Não há artigo definido em Tétum, assim uma pode significar ou "casa" ou "a casa ".)

Contudo o Português não é adverso à mestiçagem ou a desvios das formas 'padrões' prescritas pela metrópole mais do que do que é o Inglês. O Português Brasileiro divergiu do Português Europeu, não somente em termos de escrita e de vocabulário mas também na gramática, ao mesmo tempo é difícil de acreditar que o Português da África Lusófona não seja influenciado por línguas Africanas - em Cabo Verde, Guiné Bissau, e São Tomé e Príncipe, o crioulo Português desenvolveu-se ao lado do Português.

Na verdade os crioulos Portugueses desenvolveram-se na Ásia, mas estes estão quase extintos. Somente uma pequena minoria de "Eurasianos Portugueses " na Malásia e Singapura conhecem o crioulo Papia Kristiang, e eles, por seu lado, são pequenas minorias nesses países. Além de terem estado isolados do Português durante séculos, são também línguas orais.

O problema em Timor-Leste é que o Português é considerado a língua do governo e da administração, e por isso há a assunção de que quem desejar trabalhar no serviço público precisa de falar e de escrevê-lo fluentemente. Sem surpresa, isto causa a quem não o pode fazer, sentir-se em desvantagem (ou como irresponsáveis comentadores Australianos gostam de dizer "sem direitos civis" como se somente os falantes de Português em Timor-Leste tivessem o voto).

Contudo, décadas depois de fazer do Inglês a língua do ensino nas escolas, O Ministério da Educação de Singapura ainda precisou de ter um centro especial para professores cujo Inglês não estava à altura, e o governo lançou (sem sucesso) uma 'Campanha de falar bem Inglês', para desencorajar o uso do Singlish. De facto, mesmo em Portugal, a televisão estatal RTP passa um pequeno programa na televisão chamado O Bom Português, tal como a TVRI na Indonésia implora aos seus teleespectadores gunakan Bahasa Indonesia yang baik dan benar - "fale um Indonésio que seja bom e correcto ", o que sugere que muitos Indonésios ainda não o fazem.

Isto não significa que os Timorenses devam simplesmente falar Português de qualquer modo antigo, sem consideração com a gramática, mas a pré-concepção que é "difícil" é uma que precisa de ser desafiada. Obviamente que os que o estão a aprender cometerão erros, mas não se devem sentir mais desencorajados do que se sentiram quando aprenderam Indonésio e Inglês. Nenhuma língua é verdadeiramente "fácil", e de facto, a noção de que algumas são, dá a impressão de que são primitivas. Ou?
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2 comentários:

Ken Westmoreland disse...

Obrigadu barak ba Mana Margarida ba ninia tradusaun. Uma melhor tradução do título seria "Língua fçail uma, ou?", que é uma tradução directa do tétum (como foi o título original em inglês).

Anónimo disse...

“Contudo o Português não é adverso à mestiçagem ou a desvios das formas 'padrões' prescritas pela metrópole mais do que do que é o Inglês. O Português Brasileiro divergiu do Português Europeu, não somente em termos de escrita e de vocabulário mas também na gramática, ao mesmo tempo é difícil de acreditar que o Português da África Lusófona não seja influenciado por línguas Africanas - em Cabo Verde, Guiné Bissau, e São Tomé e Príncipe, o crioulo Português desenvolveu-se ao lado do Português.”
Diz o autor do blogue Living Timorously. E eu concordo com ele. Nem a propósito vi este artigo no DN de hoje que não resisto a enviar:
É do camandro!
Diário de Notícias, 23/11/06
Ruben de Carvalho, Jornalista

Meu, não dá para te passar tudo, mas é uma cena... Como é que t'hei-de dizer, assim uma cena um bocado marada que não dá prá agarrar logo! Tem bué de words novas, tu nem tosgas, eu pelo menos vejo-me à rasca. A profe também anda bimba com a cena, parece que não topa peva, é assim uma cena toda nova. Aquelas gaitas ca gente teve de encornar - os adjectivos, os verbos, essas cenas, 'tás a ver - agora tem tudo outros nomes, bué de compridos e depois cada cena com uma data de nomes.

Por causa daquele baril que no outro dia dizia na televisão que o fora de jogo "era consoante o árbito", até copiei a cena das consoantes que vem no paper: passou a haver consoantes surdas e sonoras mas, aguenta-te aí, que depois tens consoante oclusiva, fricativa, nasal, oral, lateral, vibrante e africada. Esta do africada julgo que é por causa dos blacks, e a minha miúda, que costuma ler os jornais, ficou lixada, diz que lhe parece é uma cena um bocado racista !

Acho que é uma lei que os políticos fizeram e depois os profes têm de andar com a cena e a gente é que amoxa! Passas a ter de meter nos cornos que há verbo principal impessoal, verbo pessoal intransitivo, verbo principal transitivo directo, verbo principal transitivo indirecto e verbo principal transitivo directo e indirecto, uma cegada! Lá o que são verbos, ainda perguntei ao meu velho lá em casa e o gajo lá disse umas coisas, até falou da cena do transitivo, mas aí já foi muita areia - mas agora isto tudo!

E, ainda por cima, dizem que é para a maralha aprender a escrever, a criar, como eles dizem, uma cena de "hábitos de leitura"! Topas, um gajo a querer ler uma cena numa curte porreira e vêm com esta trapalhada, mais vale um tipo agarrar as words do inglês, que dão para o computas e a malta até topa logo.

Houve um gajo - penso que é do sindicato ou uma cena assim, mas é fixe, alinha com a malta - que me disse que isto vem tudo do mesmo sítio, dos mesmos cromos do Governo e do Ministério que também andam a despedir os profes, a inventar aquela cena marada das "aulas de substituição", a correr com o pessoal que tratava lá da cantina e tudo isso, a fazer um granel do camandro nesta cena toda.

A minha esperança é que agora, com o TLEBS (topas? A Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário) isto vai ficar uma curte muito mais fixe e vou ler o Fernando Pessoa.

http://dn.sapo.pt/2006/11/23/opiniao/e_camandro.html

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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