domingo, outubro 29, 2006

Nações Unidas interpõem-se entre deslocados e militares australianos em Timor-Leste

Público de 26/10/06

Adelino Gomes

Armas nas mãos de civis, primeiros feridos, ainda que ligeiros, entre as forças internacionais - é a pior situação dos últimos cinco meses.

As forças militares australianas retiraram-se ontem da zona do aeroporto internacional de Díli, a pedido da ONU, depois de horas de confrontos que envolveram centenas de jovens de grupos rivais. "A polícia da ONU aconselhou os militares das forças internacionais a adoptarem posições mais distantes do campo de deslocados", revelou ao PÚBLICO o comissário português Antero Nunes, que comanda a componente policial da missão das Nações Unidas (UNOFIL).


Na sequência do conselho, que foi aceite, forças policiais da ONU, nas quais se integram os militares da GNR, ao lado de elementos oriundos da Malásia e do Bangladesh, substituíram os militares australianos, que recuaram no terreno. "A polícia da ONU tomou a liderança do processo e assegurou a protecção imediata e directa dos deslocados, funcionando também como força de interposição entre estes e grupos de eventuais perpetradores de actos de violência", revelou aquele responsável.

Um militar australiano, ferido, foi retirado para Darwin, na sequência dos confrontos, que atingiram ligeiramente dois elementos da GNR e causaram, desde domingo, quatro mortos e 47 feridos, segundo o director do hospital de Díli, António Caleres.

A menos que os deslocados regressem às suas casas, poderá ocorrer um "desastre humanitário" na capital timorense, disse, a propósito, o comandante militar australiano, general Slater, aludindo à iminente chegada da estação das chuvas.

Antero Lopes reconheceu que os incidentes de ontem atingiram "níveis de violência sem precedentes" nos últimos cinco meses. Considera, porém, que eles não representam um agravamento da situação. "Os confrontos na zona do aeroporto foram os únicos que se registaram em Díli, onde costumam acorrer vários simultaneamente", explicou. A confirmar-se esta tendência, disse, o aeroporto poderia reabrir esta manhã (madrugada em Portugal).

Desmentido apoio de civis

O responsável das forças de polícia da ONU confirmou ter recebido informações sobre a presença de civis armados em checkpoints montados pelo contingente australiano, em busca de timorenses oriundos do Leste do país (lorosae, por contraposição aos habitantes oriundos da parte oeste, designados por loromunu).

"Fiquei preocupado. Mas recebi a garantia do comando australiano de que isso jamais aconteceu", disse Antero Lopes ao PÚBLICO. "A confusão talvez surja de haver timorenses a trabalhar junto das forças australianas mas como intérpretes", explicou, considerando abusivo atribuir-lhes o qualificativo de loromunu, pois a capital timorense, onde foram recrutados, é um cadinho étnico.

Para além dos confrontos em Comoro - que o jornal australiano Sydney Morning Herald atribui ao assassinato, por um alegado lorosae, de Assis Henriques da Silva, 27 anos, apresentado como um líder loromunu do grupo de artes marciais Sagrado Coração - as últimas horas foram marcadas por uma tomada de posição de Taur Matan Ruak, comandante das Forças de Defesa, sobre o relatório da Comissão Especial Independente da ONU, e pelo encontro do bispo resignatário de Díli, Carlos Ximenes Belo, com o major em fuga Alfredo Reinado.

O Nobel da Paz, actualmente missionário em Moçambique, aproveitou uma deslocação de dez dias ao seu país natal para se avistar com Alfredo Reinado (ver entrevista). A ONU facilitou o encontro, transportando-o de helicóptero até um local não nomeado, a partir do qual foi conduzido à presença de Reinado, sem qualquer escolta internacional.

Taur quer investigação

Falando em nome das Forças de Defesa, Taur Matan Ruak pediu desculpa a todos os timorenses "pelas ofensas e danos causados, directa ou indirectamente, no decurso da crise" de Abril e Maio passados. O primeiro-ministro, José Ramos-Horta, que se encontra de visita ao Vaticano, onde foi convidar o Papa Bento XVI a deslocar-se a Timor-Leste, elogiou este "espírito corajoso" das Forças Armadas.

Taur, que falava em Baucau, apelou a que o seu comportamento e o dos militares sob seu comando, condenado num relatório da ONU, seja objecto de investigação adicional por uma comissão parlamentar, de modo a que se responsabilize "os autores intelectuais e morais" da crise, cujos objectivos foram "derrubar o Governo, dissolver o Parlamento e estabelecer um executivo de unidade nacional".

Até ontem, o general timorense não tinha ainda encontrado lugar na sua agenda para aceder ao pedido de entrevista do general Slater, que pretende pedir-lhe desculpas pelo comportamento de uma patrulha que o reteve longamente, a semana passada, às portas do quartel-general.

Todos querem um diálogo mediado pela Igreja

Em Timor-Leste até sábado, o bispo resignatário Ximenes Belo ouviu todos os protagonistas da crise pedirem um diálogo mediado pela Igreja Católica. O major em fuga Alfredo Reinado, com quem se encontrou ontem, também quer estar presente. Mas diz que não se entrega. A situação, resume o Nobel, "é muito difícil", mas não desesperada.

Por Adelino Gomes

PÚBLICO - Foi há poucas horas encontrar-se com Alfredo Reinado. O que é que se passou no encontro?

XIMENES BELO - Fui mais para ouvir as razões dele e perguntar-lhe qual a solução que ele pode apresentar para acabar com a violência aqui em Díli. Ele tem as suas razões. Para acabar com a crise, fez a analogia da árvore: não se pode saltar directamente das raízes para o alto da árvore.

PÚBLICO - Entrega-se ou não?

XIMENES BELO - Não se entrega
. Diz que espera que haja um diálogo entre os líderes onde ele possa estar presente também.

PÚBLICO - Já se encontrou com todos os líderes, inclusive, hoje, com o secretário-geral da Fretilin e ex-primeiro-ministro, Mari Alkatiri. Qual a ideia com que ficou para uma saída da crise?

XIMENES BELO - A ilação que tiro é que todos querem um diálogo. A nível superior e a nível do povo, mas sobretudo entre os líderes. Há outras iniciativas em curso, mas eles pretendem um outro tipo de diálogo, que abarque apenas os protagonistas de dentro. Do exterior, só precisam de ajuda logística.

PÚBLICO - Pediram-lhe que participe?

XIMENES BELO - Sim. Muitos apontaram a Igreja. Dizem que podia tomar a iniciativa. Incluem-me nisso. Respondi que devem falar com responsáveis que se encontram cá em Timor. Mas não me recuso a dar o meu contributo.

PÚBLICO - Com que imagem sai, depois deste regresso a Timor-Leste? Pessimista, tendo até em conta este agravamento das últimas horas?

XIMENES BELO - A situação é muito complicada. A gente quer tentar saber quem está por detrás e não consegue, porque ninguém o diz. Mas não saio pessimista. Saio consciente de que a situação é muito difícil, mas temos que tentar [invertê-la]. Até porque o desejo de todos é que se alcance a paz e a reconciliação. Não devemos por isso cruzar os braços.

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Discurso - Presidente do Parlamento Nacional

Conferência sobre Jornadas de Processo Penal

ALOCUÇÃO INTRODUTÓRIA



Exmos. Senhores e Senhoras Convidados e Participantes,

Muito me honra o convite, que me foi endereçado, para presidir à sessão de abertura desta conferência, proferindo algumas palavras iniciais.

Serei breve, porque afazeres de natureza profissional, relacionados com as minhas funções de representação institucional e direcção da instituição parlamentar, me impediram de preparar uma abordagem mais aprofundada do tema central da iniciativa que hoje aqui nos reúne.

A recente aprovação e entrada em vigor do Código de Processo Penal, tão útil para os protagonistas do sistema judiciário, constitui uma peça essencial para completar o regime jus-criminal do Estado, cujos parâmetros constam da nossa Lei Fundamental.

Em obediência aos axiomas constitucionais sobre matéria processual penal, o diploma legislativo em questão contempla aqueles princípios sagrados que todos dele esperávamos, mas que ainda não se encontravam suficiente e cristalinamente consolidados no anterior código, menos completo, do tempo da UNTAET.

Sublinho, nomeadamente, os seguintes princípios, consagrados, expressa ou implicitamente, no novo código:
- A reserva e precedência de lei na definição de crimes e respectivas penas, de harmonia com os brocardos universais, com assento constitucional, nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege;
- A proibição de mais do que um julgamento pelos mesmos factos (non bis in idem);
- A irretroactividade da lei penal, salvo quando mais favorável ao arguido;
- A previsão de um leque razoável e suficiente de garantias de defesa do arguido;
- A excepcionalidade das medidas privativas da liberdade em sede de medidas de coacção prévias ao julgamento;
- A competência exclusiva do Ministério Público para o inquérito ou sua direcção e o esquema acusatório da introdução do feito em juízo;
- A inquisitoriedade dos poderes do tribunal do julgamento, em nome da livre apreciação da prova produzida, da descoberta da verdade material e da boa decisão da causa;
- A oralidade e o contraditório no julgamento dos casos.

Acolho, com agrado, a simplificação das formas processuais previstas no Código do Processo Penal, que, para além do tronco procedimental comum, apenas contempla um processo especial para julgar, sumariamente, crimes menos graves praticados em flagrante delito.

Começámos, do avesso, pela componente adjectiva do ordenamento jurídico penal, mas este diploma legislativo constitui mais um passo para, paulatinamente, se revogar o direito da administração transitória do território ainda em vigor e afastar a aplicação supletiva do direito indonésio.

Estou convencido de que as vicissitudes violentas por que o nosso país recentemente passou não impedirão, uma vez restabelecido o regular funcionamento das instituições democráticas, a rápida aprovação do outro instrumento, indispensável, que nos falta: o Código Penal e a legislação contra-ordenacional que se revelar adequada.

A respeito das recomendações do relatório da comissão especial de inquérito, de que tanto se fala, sobre o fortalecimento do sistema judicial de Timor-Leste, a debilidade a que o mesmo se refere não deve ser atacada com a substituição de juízes falantes da língua portuguesa e doutamente preparados para julgar na base da matriz civilista que escolhemos para o nosso sistema legal. Passa, a meu ver, por:

- Reforçar as assessorias técnicas;
- Aumentar o número de juízes com bons profissionais lusófonos, venham de onde vierem;
- Dotar os tribunais dos recursos financeiros, materiais e logísticos de que careça.

Não falseemos os dados do problema com conclusões retiradas de premissas inexistentes ou, melhor, imaginadas por aqueles que só têm por fito denegrir a imagem da actual magistratura judicial, sem olhar a meios para atingir os seus inconfessáveis fins.

Quero felicitar os juízes que trabalham no Tribunal de Recurso e nos tribunais distritais pela independência e imparcialidade que vêm revelando no exercício das suas funções. Não atribuo qualquer validade às torpes acusações de parcialidade e permeabilidade a pressões políticas que algumas organizações e órgãos de comunicação social se têm feito eco. E condeno vivamente esses ataques, sem qualquer fundamento, à magistratura judicial timorense e à honorabilidade dos juízes, que pecam por falta de consistência e desonestidade intelectual.

Timor-Leste precisa de gente corajosa, capaz e de idoneidade, profissional e ética, exemplar, como condição de afirmação da soberania da nossa Nação, do respeito pelo primado do Direito e da credibilização da administração da justiça em nome do povo.

Muito obrigado!

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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