sábado, março 03, 2007

Detenção de Reinado é quebra-cabeças de processo penal

Díli, 2 Mar (Lusa) - A "captura" de Alfredo Reinado autorizada pelo Presidente Xanana Gusmão não é apenas complexa do ponto de vista militar e político, é também um quebra-cabeças de processo penal, segundo juristas consultados pela Lusa.

Os contornos exactos do caso Reinado em termos de direito penal e de processo penal foram, aliás, "questionados" pelas Forças de Estabilização Internacionais (ISF), sob comando australiano.

A situação "nem sempre clara" de Reinado em termos penais "serviu para justificar perante as autoridades timorenses e a ONU a não detenção" do militar fugitivo pelas ISF, adiantam à Lusa diferentes fontes que conhecem o processo e as negociações para a resolução do problema.

O procurador-geral da República, Longuinhos Monteiro, deslocou-se hoje a Same, no sul do país, para anunciar as condições de rendição ao major Alfredo Reinado.

Alfredo Reinado encontra-se cercado desde terça-feira de manhã por tropas australianas das ISF, que deslocaram para Same viaturas blindadas e helicópteros de combate e de reconhecimento.

Quinta-feira à noite, um avião das Forças de Defesa Australianas (ADF) aterrou em Díli, transportando "grupos de operações especiais e material", segundo uma fonte militar ocidental.

Alfredo Reinado parece, portanto, entre a rendição e o gatilho, ou entre a justiça timorense e as tropas de elite australianas.

Entre uma e outras, notam juristas e militares ouvidos pela Lusa, estão considerações políticas e legais que serão, afinal, as mais determinantes para o destino de Reinado.

O militar rebelde foi preso em Julho por posse ilegal de material de guerra, numa operação em que a GNR manteve o suspeito no local até que agentes policiais australianos da ADF procederam à sua detenção.

Alfredo Reinado é objecto de um mandado de detenção passado em meados de Janeiro, quase cinco meses depois da sua fuga da prisão de Becora, em Díli, a 30 de Agosto de 2006.

Se a detenção de Reinado for enquadrada no mandado emitido em Janeiro, o ex-comandante da Polícia Militar timorense viria para Díli, local onde o juiz de instrução assinou o documento.

Segundo o Código de Processo Penal timorense, o mandado de detenção de um indivíduo suspeito, assinado por um juiz, é legitimado por fortes indícios da prática de um crime.

Contudo, qualquer entidade policial, em qualquer altura, pode proceder à detenção de um evadido da prisão, como Alfredo Reinado. "Só havia uma hipótese legal depois de ele fugir da prisão, que era prendê-lo de novo", recordou à Lusa uma fonte militar que conhece o caso desde que Reinado começou a ser investigado pelas ISF, em 2006.

"Reinado nunca foi preso apenas porque o processo foi politizado", acrescentou.

Pela aplicação simples da lei timorense, "seria necessário a presença da polícia para legalizar e legitimar a operação" de captura de Alfredo Reinado, segundo uma fonte das Nações Unidas.

As ISF não são uma força policial, existindo na missão internacional em Timor-Leste (UNMIT) um contingente policial (UNPol) de cerca de 1400 elementos.

Uma fonte da UNPol nota que "a consequência legal do desrespeito das condições legais de detenção é a libertação imediata".

Em termos estritos de processo penal, Alfredo Reinado poderia encontrar-se de novo em liberdade após uma detenção mal feita se o seu advogado invocasse o "habeas corpus".

A resolução do caso Reinado é mais complexa porque as autoridades timorenses, através dos órgãos de soberania, encetaram no final de 2006 um processo negocial paralelo ao inquérito judicial.

O mandado de detenção de Reinado foi emitido após uma reavaliação da prisão preventiva, mas isso coincidiu com o lançamento do processo negocial.

"As negociações não têm nada a ver com o inquérito" judicial, sublinha um jurista, "mas o inquérito foi interferido na parte da execução do mandado".

A razão é que "o Estado timorense não controla os meios de execução do mandado", ou por outras palavras, não dispõe de facto da Polícia Nacional, que implodiu na crise de Abril e Maio de 2006, da qual Alfredo Reinado foi um dos protagonistas.

As ISF, sob comando australiano, precederam no terreno em três meses a UNMIT e, numa fase inicial, tiveram as mesmas competências que a Polícia Nacional timorense.

Sucessivos acordos, tratados e memorandos de entendimento enquadraram os poderes de polícia nos meses seguintes.

Essa competência policial está hoje com a UNPol. No entanto, a Austrália, Timor-Leste e ONU criaram um Fórum Trilateral de Coordenação no qual as ISF, o governo e a UNMIT podem decidir "missões adicionais" a concretizar pelas forças australianas.

É este o caso da operação de captura de Alfredo Reinado, que cai no âmbito do parágrafo 5, ponto 3 do Acordo Trilateral.

Para este tipo de operações, "o governo timorense tem sempre de consultar a UNMIT", explica um dos juristas questionados pela Lusa.

"A operação de captura em Same tem efectivamente suporte legal, embora mal enquadrado", acrescenta o mesmo jurista.

"Esta operação foi acordada em primeiro lugar entre a UNMIT e o governo", no chamado Mecanismo de Alto Nível, "e, depois, entre os governos timorense e australiano", no Fórum Trilateral.

O mesmo jurista nota que Portugal, sem representação numa instância como o Fórum Trilateral, não poderia discutir directamente com a UNMIT a possibilidade de executar uma missão extraordinária como a captura de Alfredo Reinado.

"Mesmo que, no terreno, dispusesse dos recursos militares para realizar a tarefa", ressalvou.
PRM Lusa/Fim

5 comentários:

Anónimo disse...

Não a mínima dúvida de que o Código de Processo Penal de Timor-Leste permite resolver a questão com grande facilidade.

Só não percebe quem não quer!

Um Malai em Lisboa

Anónimo disse...

O caso de Reinado, independentemente de não terem sido accionadas em devida altura as forças policiais com vista ao cumprimento do mandado de detenção, evoluiu para uma situação de índole militar, potencialmente ameaçadora da segurança do Estado.

Com efeito, estamos perante não apenas Reinado, mas toda uma força paramilitar formada por desertores do Exército, possuindo armas de guerra, que assalta e desarma esquadras da polícia, ameaça os participantes de um comício político, aterroriza populações e desafia a autoridade - desde o Presidente da República até ao Governo, passando pela Justiça, incitando o povo à revolta e à violência.

Isto, em muitos países, chama-se terrorismo e está sujeito às leis processuais mais restritivas do mundo...

Anónimo disse...

Tem toda a razão H. Correia. O que o Reinado anda há um ano a fazer começou por ser conspiração, depois deserção e roubo de armas e bens do Estado e desde que começou aos disparos matando e feridos ex-camaradas de armas dele passou também a rebelião e tentativa de golpe armado e agora é simplesmente terrorismo.

Anónimo disse...

Posso estar equivocado mas nao sera verdade que o estatuto legal tanto de Reinado como dos peticionarios eh o de serem ainda legalmente efectivos das forcas armadas?

Essa foi uma questao que nunca foi devidamente esclarecida a nao ser que esteja mal informado.
Se estiver correcto eles nao sao uma forca paramilitar mas sim efectivos militares das F-FDTL.

Peco correccao se eu estiver em erro.

Anónimo disse...

Só agora vim ao blog e fiquei espantado com esta notícia da Lusa. Não sei quem é que foram os juristas consultados, mas tenho a certeza que não corresponde à realidade que conheçam o processo do Reinado desde o inicio.
Qualquer jurista com o mínimo de prática, em 4 dias, já tinha instruído outro processo ao Reinado e obtido um novo mandado de detenção. Não vou dizer como, porque não quero transformar este blog numa aula de direito processual criminal para os juristas consultados pela Lusa.
Estou de acordo com o “Malai em Lisboa”. A legislação de Timor-Leste permite resolver esta situação judicialmente sem qualquer sobressalto.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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