segunda-feira, abril 23, 2007

Eleições em Timor não acabam com a crise

por Tom O'Lincoln [*]

A primeira volta da eleição presidencial em Timor Leste, realizada em 9 de Abril de 2007, foi inconclusiva – mas lançou um foco intenso sobre algumas questões.

Os eleitores puniram o partido dirigente, Fretilin, por presidir um colapso da ordem social, mas mostraram pouco entusiasmo pelas políticas de mercado livre do candidato rival José Ramos Horta. Uma votação apreciável foi para o Partido Democrático, com base nos eleitores mais jovens, e uma outra fatia significativa foi para partidos menores. Sem qualquer candidato ter obtido a maioria, a disputa será decidida em nova eleição a 8 de Maio.

A Fretilin, o partido tradicional da luta pela independência e até agora com o controle do parlamento, ficou chocada ao verificar que a sua votação mergulhou para 28 por cento. Antes das eleições seus líderes falavam confiantemente em vencer por maioria absoluta. A Fretilin continua a ser a mais forte organização política no terreno, e deveria sair-se melhor nas eleições parlamentares a realizar-se num par de meses. Entretanto, ela provavelmente não pode ganhar tanto a presidência como a maioria parlamentar se os perdedores da primeira volta canalizarem seus votos para Ramos Horta e seu aliado Xanana Gusmão.

Ainda assim, Ramos Horta apoiado pelos australianos teriam ficado extremamente insatisfeito com a sua magra votação em torno dos 22%.

No ano passado Ramos Horta substituiu o líder da Fretilin, Mari Alkatiri, como primeiro-ministro devido à pressão internacional. Esta incluiu o odioso show "Four Corners" na TV australiano sugerindo que Alkatiri era culpado de armar grupos de combate. As alegações desfizeram-se após investigação, mas não antes de selarem o destino de Alkatiri. Depois disto Ramos Horta desfrutou uma certa lua de mel mas, como mostraram os resultados eleitorais, a sua reputação deteriorou-se recentemente pois as infelicidades do país continuam a crescer.

A crise em Timor Leste começou com um motim de 600 soldados em Março de 2006. Alkatiri demitiu-os, pelo que os media internacional criticaram-no violentamente – como se qualquer outro governo tratasse amotinados mais generosamente. O choque entre os militares promoveu um levantamento geral nas forças estatais e generalizou a desordem civis. Tropas australianas interviveram rapidamente, após um pedido de todas as forças políticas chave de Timor Leste, incluindo a Fretilin – embora Alkatiri provavelmente tenha apoiado o pedido com imensa relutância, sentindo que isto provocaria a sua queda. Ele não teve de esperar muito após a chegada das tropas.

Além de criarem condições para mudar o regime, as tropas apoiaram as estruturas de poder local. Mas dezenas de milhares de pessoas deslocadas permanecem em campos e a economia continua um desastre.

Uma importante questão da campanha referia-se aos US$ 1000 milhões de rendimentos do petróleo e do gás actualmente acumulados num Fundo Petrolífero em Nova York. Alkatiri destinava-o a ser um recurso para a construção do país a longo prazo. Enquanto os rendimentos dos juros foram destinados a pagar a infraestrutura e programas sociais, o principal permaneceu intacto. Ao contrário da sua imagem de esquerdista radical promovida pelos seus críticos, esta e outras políticas económicas de Alkatiri são realmente bastante populares no Banco Mundial.

Mas elas não mostraram quaisquer sinais de extrair o país da pobreza, de modo que não é de admirar que a Fretilian esteja a perder credibilidade.

Ramos Horta promete descongelar o Fundo para usos imediatos. Isto permitiu-lhe cinicamente ultrapassar Alkatiri pela (aparentemente) esquerda. Ao ser indagado acerca da questão no programa de TV australiano "Dateline" Ramos Horta observou presunçosamente que Alkatiri "é um conservador fiscal… Ele faz grandes discursos sobre o combate à pobreza como uma causa nacional mas… ele não se moveu de forma suficientemente agressiva".

A proposta para utilizar uma parte do dinheiro parece razoável dada a horrível situação económica. Mas o que acontecerá exactamente com os fundos? Ramos Horta não é canhoto. Na entrevista à TV ele avançou com a proposta de planos para tornar o país um mercado livre, um "paraíso fiscal, o seguinte logo após Hong Kong".

Não é de admirar que o capital o apoie. Em 5 de Abril um artigo na Australian Financial Review explicava que "o que o governo Howard mais teme é o triunfo da Fretilin". Ele chegava a dizer: "É importante para os interesses australianos que Ramos Horta tenha prometido um plano de reforma fiscal para encorajar o investimento estrangeiro. Isto inclui objectivos ambiciosos de estabelecer um estado de 'comércio livre'… As taxas de impostos sobre rendimentos e rendimentos de corporações seriam estabelecidas a níveis fixos de 5 por cento a 10 por cento".

Se Ramos Horta e os seus aliados acabarem por dirigir Timor Leste, estas políticas neoliberais poderiam dilacerar profundamente, com novas feridas, um país já na agonia…

Ramos Horta certamente é um amigo do imperialismo ocidental. Ele apoia a guerra no Iraque e diz que se fosse eleito "Pediria às ONU, Austrália e Nova Zelândia para permanecerem aqui pelo maior número de anos possível".

Não que o poder fique unicamente ou mesmo primariamente com os políticos. Além do capital internacional e local, está ali a presença militar e policial australiana, neo-zelandesa e da ONU. Isto, por sua vez, está a provocar resistência entre o povo.

A hostilidade para com as tropas estrangeiras começou a subir após a fuga da prisão de Alfredo Reinado em Agosto último. Reinado, um líder do motim, é anti-Fretilin. Mas ele não é demasiado cortês para com Ramos Horta e embaraçou repetidamente a poderosas tropas australianas enviadas para capturá-lo. Num raid mal executado na cidade montanhesa de Same onde permanecia, Reinado escapou facilmente, mas os comandos australianos mataram cinco pessoas do local. Ramos Horta foi culpabilizado por isto, juntamente com as tropas. No dia seguinte, multidões barricaram ruas em Dili, queimaram pneus e cantaram: "Australianos, go home!"

As tropas atacaram com brutalidade um campo de refugiados próximo ao aeroporto, utilizando tanques, gás lacrimogéneo e balas. Segundo os habitantes no campo, elas mataram pelo menos duas pessoas, ferindo outras. O governo interino de Ramos Horta havia exigido que os deslocados naquele campo o abandonassem, mas para onde iriam estas 8000 pessoas? Elas recusaram-se a mover-se e posteriormente publicaram uma declaração pormenorizando a violência australiana contra eles, acrescentando que isto reflectia uma atitude sistemática ("Eles executam discriminação sistemática contra o povo timorense") e exigindo a retirada imediata das tropas de Timor Leste.

No ano passado, a maior parte dos timorenses saudou as forças australianas. Os entendimento popular era que os "aussies" intervieram anteriormente (1999) para travar matanças cometidos por militares indonésios e suas milícias. (Na realidade, as evidências sugerem que as matanças reduziram-se antes da chegada das tropas australianas, a agenda real das tropas era consolidar a hegemonia australiana. Mas isto não é largamente entendido,)

Agora, com abusos a crescerem, o estado de espírito do público começou a virar-se contra as tropas. James Dunn , veterano observador de Timor, escreveu recentemente acerca dos militares australianos que "a sua popularidade declinou desde aqueles dias agradáveis em 1999".
Estes desenvolvimentos ainda são fragmentários e o sentimento anti-australiano ainda não é a opinião da maioria, mas isso poderia mudar. A posição da Fretilin tornou-se mais abertamente hostil a Canberra. Se ela perdesse a presidência e também o controle do parlamento, ambos em disputa, o partido na oposição pode começar a assumir um emergente espírito anti-imperialista.

Para Canberra, os acontecimentos recentes em Timor Leste constituem o desenvolvimento mais recente de um padrão irritante. Os planos australianos para utilizar tropas, polícia e administradores a fim de tomar o controle indirecto de estados insulares depararam-se com uma série de frustrações. Os líderes políticos na Papua Nova Guiné, nas Solomons e nas Fiji encontraram oportunidades para despachar australianos intrometidos.

Um governo Horta-Gusmão seria acomodatício, mas com a Fretilin é outra história. Se reeleita ela pode de alguma forma desafiar a presença australiana. Se for conduzida à oposição, o que é mais provável, ela pode fazer campanha contra as tropas.

[*] Autor ou editor de cinco livros sobre a história e a política australianas (Into the Mainstream: The Decline of Australian Communism; Years of Rage: Social Conflicts in the Fraser Era; United We Stand: Class Struggle in Colonial Australia; Class and Class Conflict in Australia; e Rebel Women in Australian Working Class History). Mantem o sítio web www.anu.edu.au/polsci/marx/interventions/ .

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/olincoln200407.html

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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