sexta-feira, junho 22, 2007

Timor-Leste: duas aulas de política

Tradução da Margarida:

NewMatilda.com

Por: Paul Cleary
Quarta-feira 20 Junho 2007


Quando o Tratado do Mar de Timor foi apresentado no Parlamento de Timor-Leste em 2002, o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, funcionários públicos e conselheiros foram insultados com insultos não publicáveis. Muitos recearam que era uma venda da soberania do país.

Este ambiente político hostil reforçou a mão de Timor-Leste nas negociações subsequentes. Se esta era a reacção a um tratado que dava a Timor-Leste uma parte de 90 por cento, então um acordo suplementar fixando a parte de Timor-Leste do maior e mais próximo campo de petróleo e gás, o Greater Sunrise, em apenas 18 por cento não se podia levar ao Parlamento até a Austrália concordar numa fronteira marítima ou noutra maneira de resolver a pertença dos recursos disputados.

Com a Tratado pendurado na balança, Alkatiri escreveu ao Primeiro-Ministro Australiano John Howard em 3 de Outubro de 2002 propondo o começo das discussões formais da fronteira marítima. Howard disse na sua resposta de 6 de Novembro que as negociações começariam ‘uma vez’ que o Tratado e o acordo da Sunrise estivessem em efeito.

Ele tinha um ponto. Os dois lados tinham negociado arranjos interinos, e fazia todo o sentido vê-los em execução antes de se passar para um acordo permanente. Para Timor-Leste não era esse o ponto. Ratificar o tratado significaria desistir de um poderoso instrumento de negociação, e era isso exactamente o que Howard queria alcançar.

O finca-pé atingiu o ponto alto em 27 de Novembro de 2002 quando o Ministro dos Estrangeiros da Austrália Alexander Downer voou para Dili. Alkatiri disse que em vez de falarem acerca do acordo da Sunrise, os dois lados deviam começar imediatamente a negociar uma fronteira marítima permanente.

Downer não estava com pachorra para o que considerava ser uma brincadeira deste micro-Estado. No mês anterior, 88 Australianos tinham sido mortos por bombistas suicídas em dois clubes nocturnos em Bali, e uma gravação com a voz de Osama bin Laden tinha ligado o ataque à intervenção da Austrália em Timor-Leste, disse ele. A Austáalia tinha muito mais com que se preocupar do que Timor-Leste.Tinha de estar preocupado com ‘as implicações para as nossas relações com outros países, especialmente com a Indonésia’.

Downer batia na mesa quando descaradamente avisava que a Austrália podia deixar todos os recursos do Mar de Timor no chão até que as coisas seguissem o rumo dele: ‘Não temos de explorar os recursos. Podem ficar lá durante 20, 40, 50 anos.’ Perto do fim do encontro, Downer avisou Alkatiri que era refém dos seus conselheiros Ocidentais e que precisava de uma aula de política. ‘Não gostamos de fundamentalismos,’ disse Downer. ‘Somos muito duros. Estamo-nos marimbando se der a informação aos media. Deixe-me dar-lhe uma lição de política — não tem qualquer possibilidade’

Uma conselheira de media do Gabinete do Mar de Timor de Alkatiri (TSO), Zoe Cottew, produziu uma transcrição completa deste encontro tumultuoso. Alkatiri, apesar de ser fluente em Inglês, escolheu falar em Português, o que significou que a tradução atrasou a troca de palavras a um ponto tal que Cottew escreveu um registo à mão de todo o encontro.

No princípio de 2003, o TSO fez circular a transcrição completa numa base confidencial a um número de pessoas na Austrália. Um dos receptores enviou-o para o website Crikey, que o publicou sob o título ‘Estúpido Pomposo Colonial .’

A exactidão da transcrição foi reforçada pelas acusações da Austrália de que Timor-Leste tinha gravado secretamente o encontro, o que não tinha feito. Mas a sua emissão inadvertida reforçou a simpatia internacional por Timor-Leste e percepções do estilo briguento adoptado pela Austrália nas negociações.

No fim duma tarde na primeira semana de Março de 2003, o embaixador Australiano em Timor-Leste, Paul Foley, bateu à porta do TSO, e informou dois conselheiros que lá estavam a trabalhar que o Ministro dos Estrangeiros Australiano queria um encontro urgente em Dili para assinar o acordo do Sunrise.

Os conselheiros disseram a Foley que o dia escolhido por Downer era de facto Quarta-feira de Cinzas, um feriado público no Católico Timor-Leste. Os Ministros estariam fora de Dili nesse dia e a assinatura teria de se fazer noutra altura.

Foley estava a operar sob instruções estritas e pareceu não entender o significado de Quarta-feira de Cinzas. Disse que queria a assinatura de Timor-Leste no acordo do Sunrise antes de a Austrália começar o processo de ratificação do tratado. Isto era porque Downer pensava que os conselheiros de Timor-Leste ‘fariam batota,’ disse-lhes Foley.

Mais tarde nessa noite o embaixador foi à procura doutros conselheiros de Timor-Leste e encontrou um grupo no acabado de construir restaurante frente ao mar no tropical chic Esplanada Hotel. Foley descarregou a raiva do seu Ministro, dizendo ao grupo que Downer estava ‘farto’ das ‘mentiras e desonestidade’ do novo Governo Timorense e do seu Primeiro-Ministro, e que Downer insistia no encontro de Quarta-feira.

Sentada na mesa estava Einar Risa, um escandinava agradável e de alto nível que tinha servido como diplomata e Secretário de Estado do Desenvolvimento e Cooperação no Governo Norueguês, e em posições de topo na gestão na companhia nacional de petróleo Statoil. Risa tinha acabado de ser nomeado director executivo da Autoridade Designada do Mar de Timor (TSDA), a autoridade conjunta estabelecida para gerir a área do Tratado. Apesar de Foley representar um dos seus empregadores, Risa disse-lhe que nunca antes tinha visto ou ouvido um embaixador emitir comentários tão insultantes acerca do seu país hospedeiro. Ao mesmo tempo que não sabia o que significava diplomacia na Austrália, disse, “ o brigar de pátio de escola” de Foley não era a norma internacional.

Como a Austrália repelia a ratificação do Tratado, Alkatiri escreveu a Howard na Terça-feira 4 de Março e disse que iria ‘submeter o [Acordo Internacional de Unitização do Greater Sunrise] IUA imediatamente ao meu Conselho de Ministros para aprovação’. Estava a tentar comprar tempo. Isto não era o suficiente para satisfazer Downer que queria a assinatura de Timor-Leste no acordo imediatamente.

Na manhã seguinte, 5 Março, Quarta-feira de Cinzas, Howard telefonou a Alkatiri do seu gabinete no Parlamento em Canberra. Na altura, Alkatiri recusava receber telefonemas de Downer, mas agora estava prestes a receber uma outra aula de política. Nessa manhã o Governo Australiano tinha agendado na Casa dos Representantes leis para a ratificação do Tratado do Mar de Timor.

Howard disse a Alkatirique a não ser que Timor-Leste assinasse o acordo do Sunrise a Lei para o Tratado ficaria ‘parada’ na Casa Baixa, o que significaria que o desenvolvimento de Bayu-Undan colapsaria. ‘Era um ultimato. Howard disse que a não ser que concordássemos em assinar o novo acordo imediatamente, pararia a aprovação do tratado no Senado,’ disse um funcionário Timorense.

Downer falou com Ramos Horta, e os dois acordaram em que Timor-Leste convocaria um Conselho de Ministros extraordinário na manhã seguinte, Quinta-feira 6 de Março, para endossar o negócio do Greater Sunrise. Estava acordado que Downer voaria para Dili nesse dia para a assinatura, mas Alkatiri não se convenceu, e foi preciso o peso conjunto de Ramos Horta, o Presidente do Parlamento, Francisco ‘Lu Olo’ Guterres, e de Xanana Gusmão, que era agora o Presidente da República para o convencer a avançar com a assinatura.

Mais tarde nesse dia Downer assinou o acordo na mesma sala.

De volta em Canberra no Senado nesse dia, os Verdes, os Democratas Australianos e os Trabalhistas falaram fortemente contra as tácticas do Governo Australiano. Era evidente para os partidos da oposição que o Governo Australianoestava preparado o desenvolvimento Bayu-Undan de modo a amarrá-lo aos 79.9 por cento do campo Sunrise. O Senador Bob Brown dos Verdes Australianos lançou um ataque inspirado ao governo culminando na acusação a Howard de ter feito ‘chantagem’ contra Timor-Leste. Brown disse ao Senado:

Acredito que estamos a ser emboscados com esta legislação … estamos a ser emboscados no interesse das grandes companhias de petróleo, para enganar Timor-Leste. Estas são as grandes companhias do petróleo, com a cumplicidade activa do Primeiro-Ministro, nem menos, a defraudar Timor-Leste dos seus recursos. É uma fraude. É ilegal. Ontem à noite, como nos dizem os jornais, o Primeiro-Ministro telefonou para o seu colega de Timor-Leste para fazer chantagem. O que John Howard fez foi coagir um vizinho pobre e fraco por meio de chantagem.

O Presidente do Senado pediu a Brown para retirar a palavra ‘chantagem’ mas ele recusou. A Coligação e os Trabalhistas votaram a expulsão de Brown do Senado para o resto do dia. Disse depois de ter sido expulso, ‘Chantagem é uma palavra que já foi usada no parlamento milhares de vezes desde 1981 mas nunca foi mais adequadamente usada do que nesta ocasião.’

Howard afirmou ter sido mal interpretado e deu uma explicação pessoal na Casa dos Representantes:

Ontem, noutro local, foram feitas alegações pelo Senador Brown que tinha tentado intimidar ou roubar com violência a liderança Timorense sobre as negociações do Mar de Timor. Essas afirmações são totalmente falsas. Telefonei ontem ao Primeiro-Ministro de Timor-Leste para lhe perguntar se a aprovação formal por Timor-Leste de um acordo internacional de unitização podia ser completada a tempo de uma visita pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros hoje para assinar o acordo … O meu telefonema ao Dr Alkatiri, que foi totalmente civilizado e cordial de acordo com a nossa relação próxima, relacionou-se apenas com o processo formal e não com a substância do pacote negociado. Possa eu acrescentar os meus calorosos parabéns ao Ministro dos Negócios Estrangeiros pela sua orientação habilidosa desta matéria.

Alkatiri condescendeu e acordou assinar o acordo do Sunrise, mas recusou fazê-lo pessoalmente, delegando a sua tarefa na Ministra da Justiça, Ana Pessoa. Nessa noite a Lei do Tratado do Mar de Timor entrou no Senado Australiano.

Este é um extracto editado do livro de Paul Cleary “Shakedown: Australia’s Grab for Timor Oil (Allen & Unwin, RRP $29.95). Em Hobart, o livro será lançado pelo Senador Bob Brown na Livraria Hobart, na Quarta-feira, 27 Junho, 6:00 pm. Em Melbourne, o livro será lançado pelo Cônsul Honorário para Timor-Leste Kevin Bailey no Trades Hall na Quinta-feira, 28 Junho, 6:00 pm.


Acerca do autor

Paul Cleary cresceu no Sudoeste de Sydney e trabalhou como jornalista cobrindo economia, política social e fiscalpara o Sydney Morning Herald e a Australian Financial Review enquanto esteve na Canberra Press Gallery durante 10 anos. Depois da sua primeira visita a Timor-Leste em 1997 foi conselheiro do Gabinete do Mar de Timor do Governo de Timor-Leste de 2003-05.

Sem comentários:

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.