quarta-feira, novembro 07, 2007

Resposta do Tribunal à carta da UNMIT que dizia que o Coronel Reis não podia testemunhar

Proc. 137-2007

Foi junta aos autos uma cópia de uma carta remetida pelo Exmo Senhor Representante do Secretário Geral para Timor-Leste, Atul Khare, carta essa, dirigida ao Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros e com conhecimento ao Escrivão deste Tribunal.

Em primeiro lugar, cumpre referir que o titular do processo é o Juiz de Direito e não o senhor Escrivão, razão pela qual a correspondência dirigida ao processo deve ser remetida a quem tem competência para se pronunciar sobre ela, ou seja, ao Juiz do Processo.

No caso concreto, o documento em causa deveria ter ser remetido para conhecimento do Juiz do processo e não para o Senhor Escrivão.

Na referida missiva é dito, mais uma vez, e sem indicar qualquer fundamento legal, que os funcionários das Nações Unidas gozam de imunidade para deporem em Tribunal, como testemunhas e, caso os Tribunais pretendam ouvir qualquer elemento da ONU nessa qualidade, deverão lançar mão do processo de levantamento da imunidade junto do Senhor Secretário Geral das Nações Unidas, por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Esta questão já foi anteriormente colocada a propósito da testemunha Nuno Anaia, e, nessa altura, o Tribunal solicitou, junto da UNMIT, para informar qual o fundamento legal para o alegado, uma vez que do texto da Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 13 de Fevereiro de 1946, nada refere sobre essa questão e do acordo celebrado, em Maio de 2002, entre Timor-Leste e as Nações Unidas também nada consta sobre essa matéria.

Até ao momento nunca houve qualquer resposta por parte da UNMIT sobre a referida questão.

De acordo com o artigo 1 número 1 da Constituição da República Democrática de Timor-Leste:

A República Democrática de Timor-Leste é um Estado de direito democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana.

Por sua vez, nos termos do art. 118º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste:

1-Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do Povo;

2-No exercício das suas funções, os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades;

3-As decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório e prevalecem sobre todas as decisões de quaisquer autoridades.

Daqui resulta claramente, que os tribunais são órgãos constitucionais aos quais é confiada a função jurisdicional exercida por juízes. O poder judicial é exercido pelos tribunais e é separado dos outros poderes e tem uma posição jurídica idêntica à dos restantes órgãos constitucionais de soberania.

O artigo 121 da mesma lei fundamental dispõe que:

1- A função jurisdicional é exclusiva dos juízes, investidos nos termos da lei.

2- No exercício das suas funções, os juízes são independentes e apenas devem obediência à constituição, à lei e à sua consciência.

Desta norma resulta que os juízes não estão sujeitos, no exercício das suas funções, a interpretações da lei feitas por outros orgãos soberania do Estado ou outras entidades, mesmo que essa entidade seja UNMIT, sobretudo nos casos em que essas interpretações não têm fundamento legal.

Do artigo V secção 18 al. a) da Convenção sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 13 de Fevereiro de 1946 consta que:

Os Funcionários da Organização das Nações Unidas, gozarão da imunidade de qualquer procedimento judicial relativamente aos actos por ele praticados oficialmente incluindo as suas palavras e escritos.

Deste norma resulta, de forma clara, que a imunidade concedida aos funcionários das Nações Unidas só tem lugar nos casos de procedimento judicial, ou seja, quando exista indício de que o funcionário cometeu factos qualificados pela Lei de Timor-Leste como crime ou no caso de ser demandado civilmente.

Atento o disposto no artigo 252 do CPP, o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento considere essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

No caso em apreço, as pessoas em causa foram indicadas como testemunhas, ou seja, como sendo pessoas com conhecimentos directo sobre os factos que constituem o objecto da prova nos presentes autos, não existindo, deste modo, qualquer procedimento judicial contra as mesmas.

Assim sendo, uma vez que não existe qualquer fundamento legal para o alegado na missiva remetida pelo Senhor Representante do Secretário Geral para Timor-Leste, os tribunais não têm que lançar mão do processo de levantamento da imunidade das pessoas em causa, nem o juiz, no exercício das suas funções, está vinculado a esse entendimento.

Por fim, cumpre lembrar que é frequente elementos da UNPOL deporem em Tribunal na qualidade de testemunhas sem que alguma vez a UNMIT tenha colocado a questão de imunidade o que não deixa de ser surpreendente que, só agora e a propósito de um caso concreto, o tenha feito. Cumpre referir, ainda, que a seguir esse entendimento estaria manifestamente comprometida realização da Justiça em Timor-Leste na medida em que, cada vez que surgisse, por exemplo, um processo sumário cujo julgamento tem de ser realizado em 72 horas, fosse necessário ouvir um elemento da UNPOL, ter de recorrer-se ao processo de levantamento de imunidade com toda a burocracia e demora que lhe é inerente.

Dê conhecimento deste despacho ao Exmo Senhor Representante do Secretário Geral das Nações Unidas, Atul Kahre, ao Exmo Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Notifique o MP e a defesa entregando, também, cópia da missiva que antecede.

Dili, 6-11-2007

O Juiz de Direito Ivo Nelson de Caires Batista Rosa



NOTA DE RODAPÉ:

Esta carta foi enviada pelo Tribunal e recebida hoje no MNEC, para ser enviada para o SG das Nações Unidas e dar conhecimento do RESG em Timor-Leste, Atul Khare, em resposta à carta enviada por este para o MNEC, com conhecimento do Escrivão do Tribunal, a dizer que o Coronel Reis não podia testemunhar neste processo por ter imunidade.

O Coronel Reis testemunhou hoje por teleconferência a partir de Lisboa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Provavelmente o Sr. juíz Ivo Rosa não lerá estas linhas, mas quero felicitá-lo por se manter fiel à Lei e à sua consciência.

Espero que ele se mantenha firme na defesa dos mais elementares princípios conquistados ao longo da História da Civilização humana.

Que ele tenha força de carácter suficiente para não vender a alma ao diabo nem, "pragmaticamente", virar as costas a esse povo "longínquo" de um país tão pequeno, o povo timorense.

A História há-de dar-lhe razão e render-lhe justa homenagem. Entretanto, ele não está sozinho, pois pode contar com o apoio silencioso do povo timorense, um povo irmão indefeso que está tão próximo do nosso coração e não esquece aqueles que o ajudam.

Bem-haja!

Anónimo disse...

É assim mesmo!! Fazer valer a Constituição de Timor Leste é preciso! O povo de Timor precisa de ajuda,sim, mas não precisa de quem os desrespeite dentro da sua própria casa! Que é isso??? Parabéns ao Sr. Dr. Juíz Ivo Nelson!
Fítun Taci

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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