domingo, janeiro 27, 2008

Sobre os vigaristas do costume que atacam a língua portuguesa...

H. Correia deixou um novo comentário na sua mensagem "East Timor: Expert calls for end to legal language...":


"Apostamos que os "expertos" não falam tetum..."

... E a prova é que esta entrevista é feita em... Inglês - the language of the new colonizer - a um tal Sr. Wright, que comanda o "East Timor Law Journal".

Como se vê, um jornal com título bem timorense...

De vez em quando aparecem estes lobos com pele de cordeiro armados em defensores do povo timorense.

Mas o verdadeiro interesse desta gente é sempre o mesmo: atacar o Português, aqui referido como "a língua do antigo colonizador" - e não como uma das línguas oficiais de Timor-Leste.

O tiro sai-lhe pela culatra, pois esse senhor é que fala a língua do antigo colonizador - antigo e moderno - dos aborígenes e futuro colonizador de Timor-Leste.

Mais à frente, continua o ataque à língua portuguesa, afirmando que ela é "entendida por, e associada a, UMA MINÚSCULA ELITE RESIDENTE EM DILI". "Associada" por quem? Não se sabe. E quanto à "minúscula elite", será que este senhor se está referindo a Ramos Horta e Xanana?

Curiosamente, estes dois estadistas deixaram paralisar o Instituto Nacional de Linguística, que vinha fazendo um trabalho notável no estudo e desenvolvimento do Tétum.

É falso que "o Português seja frequentemente exigido" para obter empregos na administração pública. Timor-Leste tem duas línguas oficiais e, como tal, basta conhecer pelo menos uma delas.

Dizer que o Português só é entendido por uma minúscula elite de Dili é mentira e um insulto à inteligência dos timorenses. Muitos jovens nascidos já nos anos 80, de vários distritos de Timor, falam Português de muito bom nível. Até há um ou outro timorense que fala e escreve Português mas não entende Tétum, pois a sua língua materna é uma das muitas outras línguas autóctones de Timor.

Nenhum deles pertence a qualquer elite e a maioria nem mora em Dili.

Que dizer então daqueles mais novos, que já aprendem Português há 8 anos na escola?

Quanto às leis redigidas em Português, é a solução mais rápida por enquanto, sabendo que TL precisa urgentemente de leis, muitas leis.

Mas tal não significa qualquer discriminação em relação ao Tétum. Simplesmente, acontece que o Tétum carece de um vocabulário jurídico devidamente estruturado para que se consigam redigir normas jurídicas nesta língua.

Esse é um trabalho moroso, mas que há-de ser concluido um dia. Não obstante, a esmagadora maioria das leis já possui versão em Tétum, pois existe uma equipa técnica de tradução devidamente capacitada para o efeito. É ela que tem feito a tradução das leis para Tétum, publicadas no boletim oficial da RDTL, e não essa tal "Asia Foundation".

O argumento de que as leis devem estar escritas "numa língua que a gente perceba" é falacioso, pois omite o facto de que para esses cidadãos analfabetos (cerca de 500 mil, segundo esse Sr. Wright) as leis escritas são tão ininteligíveis em Português como em Tétum, por duas razões:

Primeira, sendo analfabetos não sabem ler o que está escrito.

Segunda, mesmo dominando o Tétum, esse domínio é muito limitado e circunscrito a um vocabulário ligado às coisas simples e terrenas do dia-a-dia (por exemplo, ba bazar atu sosa repolho, fehuk-ropa, etc.). É muito dificil, para não dizer impossível, essas pessoas entenderem a linguagem abstrata e técnica do Direito, seja em que língua for.

É pena que esse Sr. Wright, nas suas "campanhas" de informação e nas recomendações que faz ao Governo, não se tenha preocupado antes em pedir a este e ao PR que respeitem a Constituição e restantes leis de TL, bem como o poder judicial, órgão de soberania do regime democrático que se sobrepõe a qualquer político, maioria ou pacto de regime.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pelo menos o Sr. Wright não estava a sugerir que estas leis sejam traduzidas para o indonésio, como gostaria outros "experts" como Damien Kingsbury, que fala acerca do indonésio (ou "Bahasa Melayu" como a chama) como a língua mais usada em Timor Leste, como a língua tétum não existe.

Por quê há esta paranoia acerca de bilinguismo oficial, com documentos oficias em ambos línguas oficiais? Talvez seja porque os países lusófonos tiveram tão pouca experiência disso.

Por exemplo, as leis de Macau não foram traduzidas para o chinês até os anos 1990, mesmo que o português não seja compreensível à maioria de macaenses. As autoridades britânicas em Hong Kong começaram publicar leis e outros documentos oficiais em chinês ao lado do inglês nos anos 1970.

Quanto à possibilidade que alguns timorenses compreenderam o português mas não o tétum, acho que é agora menos provável do que nos anos 1970.

Sr Correia, o tétum já não carece de um vocabulário jurídico, graça ao empréstimos do português (konstituisaun, tribunál rekursu, e outros) que são últimamente, da mesma origem latina, como os equivalentes no inglês, ou mesmo indonésio adpokat = "advogado".

É esta variedade de tétum lusificada que as ONG e a imprensa já estão a usar, e que o governo deve usar também.

Anónimo disse...

Agradeço as suas observações.

O caso de Macau não tem semelhanças com o de Timor-leste por duas razões:

Primeira, durante a administração portuguesa de Macau havia uma só língua oficial (a portuguesa), excepto durante o período de transição que antecedeu a mudança de soberania para a China. Portanto, até à transição não havia motivo para utilizar a língua chinesa oficialmente em Macau.

Segunda, a esmagadora maioria desses "macaenses" que não compreendiam o Português não possuía nacionalidade portuguesa. Não porque esta lhes fosse negada, como fez a Coroa britânica aos habitantes de HK, mas pelo simples facto de não terem nascido em Macau, pelo que os seus conhecimentos linguísticos não eram relevantes.

Curiosamente, hoje há mais interesse em aprender Português em Macau, devido precisamente à necessidade que os chineses têm em dominar as leis macaenses - as presentes e as futuras.

O vocabulário jurídico de que carece o Tétum vai muito mais além do que palavras como "konstituisaun", embora mesmo esta pudesse ser substituida por "ukun-fuan inan" ou até "lei inan".

Quando mencionei a falta de vocabulário, referia-me a centenas de conceitos que nem sequer existem no ideário da maioria dos falantes monolingues de Tétum.

Só para lhe dar alguns exemplos:

arguido, jurisprudência, dolo eventual, forense, usucapião, inimputabilidade, homicídio privilegiado, lenocínio, usura, contra-ordenação, peculato, subsidiariedade, injunção, especulação, coacção, etc.

Não concordo com a simples transposição destas palavras ou expressões para o Tétum, adaptando a grafia à desta língua, porque se assim fizermos estaremos a criar uma espécie de crioulo artificial, dada a grande quantidade de palavras novas necessárias actualmente no Tétum.

E mesmo assim, o timorense médio que não conhece esses conceitos teria que os aprender. Seja "konstituisaun" ou "constituição", a palavra continua a ser desconhecida para ele e não é a mudança da grafia que o fará perceber.

Portanto, se optarmos pela política de ir buscar ao Português todas as palavras que não existem no Tétum, os timorenses estarão simplesmente a aprender Português quando aprenderem essas palavras novas do Tétum.

O que eu defendo é a tradução desses conceitos, aproveitando as palavras já existentes no Tétum para formar palavras ou expressões novas, que depois constarão de um léxico oficial jurídico - uma espécie de dicionário, que poderá ser consultado por qualquer pessoa, a qualquer momento.

Isso demora muito tempo. É um trabalho penoso e que exigirá muito estudo linguístico. Mas acho isso preferível a encher o Tétum de 90% de palavras portuguesas, o que poderia pôr em causa a sua identidade e a sua própria utilidade.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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