domingo, abril 27, 2008

Histórias de Portugal e da II Guerra Mundial no "Diário do Tenente Pires"

** Pedro Rosa Mendes, da agência Lusa, em Díli **

Díli, 26 Abr (Lusa) - A "violência" da colonização de Timor, a "brutalidade" da I República e o "cinismo" da política de Salazar face à invasão japonesa são as linhas que se cruzam na vida do tenente português Manuel de Jesus Pires.

"Timor na 2ª Guerra Mundial, O Diário do Tenente Pires", de António Monteiro Cardoso, é, por isso, "um livro iconoclasta", resumiu o historiador português em entrevista à agência Lusa.

António Monteiro Cardoso apresentou a obra (lançada em Outubro de 2007) em Díli, na Feira do Livro em Português, que terminou a 23 de Abril.

O historiador, que nunca tinha estado em Timor-Leste, visitou nos últimos dias alguns dos cenários onde se desenrolou a história heróica, com fim trágico, do tenente Pires, no distrito de Baucau (leste do país), à vista das montanhas do Matebian e do Mundo Perdido.

O tenente Pires foi administrador da vila de Baucau, que entre 1936 e 1975 se chamou Vila Salazar, capital da circunscrição de São Domingos, e morreu em data e local desconhecidos, talvez no final de 1944, assassinado no cativeiro japonês.

O pano de fundo do "Diário do Tenente Pires" é a resistência à ocupação japonesa de Timor, a guerra de guerrilhas movida por forças australianas ajudadas por timorenses e portugueses, a saída de Pires para a Austrália e o seu regresso à ilha, numa missão suicida, para salvar os portugueses que tinham ficado e corriam perigo.

António Monteiro Cardoso, recorrendo a abundantes fontes documentais, analisa e refuta neste livro dois mitos persistentes: a bondade da colonização de Timor e o sucesso da política de Salazar na colónia mais distante da metrópole.

"O livro pode não ser bom mas é o único livro que não vai ser fascista, como (são) os clássicos livros sobre a História de Timor, que são livros de exaltação do culto da bandeira e outras fantasias", ironizou o historiador na entrevista à Lusa em Baucau.

"Claro que há uma excepção, que é o livro de José Mattoso ("A Dignidade")", ressalvou António Monteiro Cardoso.

"Comete-se erros de interpretação em que se toma a parte pelo todo", acrescentou, recordando que uma versão realista, menos simpática a Portugal, já aparecia nas obras do historiador francês René Pélissier sobre o avanço das fronteiras coloniais.

"A verdade é o que Pélissier contou: a colonização foi violenta e usou os métodos de guerra, guerra de timorenses contra timorenses, como na Guiné pelo Teixeira Pinto", afirmou António Monteiro Cardoso à Lusa.

"Mantém-se a ilusão mitológica de que o colonialismo português não fazia mal a ninguém. Todos são maus a colonizar menos os portugueses", declarou à Lusa.

"O caso de Timor é o que melhor ajuda a criar este mito, devido à invasão indonésia. Há o mito da cristianização, da conquista das almas e não pela espada", explicou o historiador.

"O timorense por definição era católico, falava português e adorava Portugal", recorda.

António Monteiro Cardoso salienta que na sua obra sobre o tenente Pires e a 2ª Guerra Mundial teve presente as lições retiradas de "Weapons of the Weak" e "Hidden Transcripts", de James C. Scott, em que são analisadas as formas de resistência dos "fracos".

"As pessoas que estão sob uma situação de dominação não se podem exprimir livremente. Dão ideia de pacificação ou adesão, mas, criando-se certas oportunidades, passa-se rapidamente a situação de revolta de populações que pareciam amigas", diz António Monteiro Cardoso.

"É a história de todos os colonialismos".

"Os indígenas são tão simpáticos, tão portugueses, dóceis, um pouco mandriões é certo. Conhecem as crianças? Assim são os indígenas", ironiza o historiador sobre a visão colonial do timorense.

Outra das novidades do "Diário do Tenente Pires" é recuperar parte da história dos deportados portugueses em Timor, origem de vários "clãs" importantes, como a família Carrascalão ou a família do Presidente José Ramos-Horta.

"A novidade é que os principais deportados não foram enviados pelo regime de Salazar. Os primeiros, o núcleo-duro, eram anarco-sindicalistas, enviados pela I República para a Guiné e Cabo Verde e que depois a ditadura militar aproveitou para mandar para mais longe", conta António Monteiro Cardoso.

O historiador sublinha que o regime "democrático" e "benevolente" anterior ao Estado Novo tinha "uma forte componente anti-operária e de polícias políticas que agiam com uma brutalidade espantosa e que deportavam sem julgamento".

"Um regime sinistro", resume António Monteiro Cardoso.

Na obra sobre o tenente Pires, fala-se, por exemplo, da Legião Vermelha, "uma organização terrorista de contornos ocultos, de acção directa, destinada a atacar patrões, polícias e outros serventuários menores do capital".

A Legião fez um atentado contra o comandante da polícia de Lisboa, Ferreira do Amaral, origem de uma repressão que atingiu o auge em 1925.

Em 1931, o número de deportados "sociais" e "políticos" portugueses em Timor ultrapassava os 500, superior ao número de funcionários da administração.

Sobre a política de Salazar em Timor, António Monteiro Cardoso defende que o ditador português "demonstrou um desprezo absoluto pela vida humana e um cinismo completo".

Salazar pediu aos portugueses, perseguidos pelos japoneses, um "massacre inútil", uma decisão que antecipa o que aconteceu em 1961 com a invasão de Goa.

Na análise do historiador, Salazar descurou a protecção da colónia, até antes do início da guerra no Pacífico, não dando garantias de efectiva neutralidade nem ao Japão nem à Austrália e às potências Aliadas.

O tenente Pires e outros portugueses em Timor foram usados e sacrificados por Salazar para "garantir" a soberania sobre a colónia.

"Os mortos foram esquecidos e os sobreviventes perseguidos", conta o historiador.

Do tenente Pires, fica a história de um oficial que conseguiu salvar centenas de vidas "e que depois fica para a morte, acossado por todos os lados".

"É um exemplo de dignidade, coragem e abnegação até à morte, para cumprir um compromisso", conclui António Monteiro Cardoso.

Lusa/fim

2 comentários:

Anónimo disse...

"Salazar pediu aos portugueses, perseguidos pelos japoneses, um "massacre inútil""

O regime do 25 de Abril não pediu o mesmo aos portugueses em 1975. Em vez disso, os "portugueses" foram evacuados e o seu Governador bateu em retirada deixando 26 camaradas de armas à mercê dos acontecimentos, em Aileu. Se estes tivessem sido mortos, teria sido um "massacre útil"? Os 200.000 timorenses mortos (portugueses de pleno direito) após a debandada dos brancos foram um "massacre útil"?

Baucau chamava-se "Vila Salazar" em 1975? "Circunscrição São Domingos"? Posso mostrar um mapa do Timor Português usado nas suas escolas oficiais em 1972 que desmente isso. Chamava-se Baucau e era a capital do Concelho de Baucau. Foi assim que aprendi na escola. Sugiro ainda a consulta do Estatuto Político-Administativo de Timor, de 1964 (artºs 46 e 47).

O "culto da bandeira" portuguesa em Timor não era uma fantasia e muito menos um mero produto de exaltação fascista. Eis uma afirmação que revela o perigo de escrever sobre algo que não se conhece e que, antes de 1975, lhe poderia ter custado a cabeça, cortada pelos próprios timorenses...

O que é que Goa, invadida pela União Indiana com objectivos de conquista territorial, tem que ver com Timor, que apenas foi palco involuntário da luta entre as potências que se degladiavam na 2ª Guerra Mundial? Porque este autor não esclarece que tudo isso só aconteceu porque a Austrália decidiu primeiro invadir Timor, sem respeitar a neutralidade portuguesa neste conflito?

Se a colonização de Timor foi tão "violenta", como explica o autor que os timorenses não tenham aproveitado aquele momento de fraqueza do colonizador para o expulsar? Como se explica que os timorenses tenham apoiado massiçamente o restabelecimento da administração portuguesa após a rendição dos japoneses, ao contrário do que fizeram os seus vizinhos em relação aos holandeses?

Como esquecer os liurais D. Aleixo e filhos (Suro), D. Francisco Costa (Hatu-Udo), D. Cipriano (Atsabe), D. Talu Bere (Maliana), D. Paulo (Ussuroa), D. Jeremias (Luca), D. Luís Noronha (Lacló), D. Moisés (Fatu Ahi) e o chefe de suco Evaristo e família (Hai Hou, Maubisse), todos assassinados por não quererem renegar o seu portuguesismo?

Sobre este assunto, escreve o dr. José dos Santos Carvalho, o único sobrevivente dos quatro médicos existentes em Timor naquela época(1):

"Ora, esses timorenses da parte ocidental da ilha odiavam francamente os europeus, avaliados pelo padrão holandês que nunca conseguira, nem provàvelmente pretendera, captar a sua amizade, o que bem fácil seria, a exemplo da parte portuguesa, se os considerassem, em tudo, como seres humanos seus iguais e não como espécimes de uma raça inferior."

Como se explica que os monumentos evocativos dos mortos portugueses nesse período tenham continuado a ser cuidados pelos timorenses, mesmo durante a ocupação indonésia? Como se explica que até a placa "colonialista" que se encontra no Tata-Mai-Lau tenha sido lá mantida até hoje? Acaso o autor aproveitou o seu passeio a Timor (perdão: a Dili) para ir lá vê-la?

"A novidade é que os principais deportados não foram enviados pelo regime de Salazar"? Isso já todos sabíamos, pelo menos aqueles que conhecem a História de Timor.

Parece-me que este senhor "historiador", que cometeu a proeza cada vez mais comum de escrever um livro sobre Timor sem nunca lá ter posto um pé, quer combater mitos com outros mitos. E não consegue disfarçar os complexos de esquerda que turvam a sua visão.

E ainda tem a presunção de se comparar a José Mattoso. Sem comentários...!

Se quis servir-se de Timor para atacar o "colonialismo", isso mostra que o verdadeiro objecto deste livro não é o povo timorense nem a sua História, contra o que seria de esperar.

Porque este senhor não conta a verdadeira história de Timor na 2ª Guerra Mundial? Porque não fala dos verdadeiros heróis que padeceram e morreram? É que essa história já está contada, e na primeira pessoa(1). Não é preciso ninguém vir descobrir a pólvora para ajustar contas com certos recalcamentos ideológicos.

____________
(1)
Liberato, Cacilda - Quando Timor Foi Notícia, Ed. Pax, Braga, 1972;
Liberato, António - O Caso de Timor;
Idem - Os Japoneses Estiveram em Timor;
Santos, A. de Sousa - Duas Palavras ao Capitão Liberato, Lourenço Marques, 1973;
Carvalho, José - Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial, Livraria Portugal, Lisboa, 1972;
Santa, José Duarte - Australianos e Japoneses em Timor na II Guerra Mundial, Notícias, Lisboa, 1997.

Anónimo disse...

Temos aqui um caso de 'cada sapateiro gaba a sua sola'. Talvez uma informacao historica muito util para o historiador: Deportados como o Carrascalao e o pai do Horta, devem o seu sucesso em Timor a ditadura de Salazar.O sr. Historisador que nao se esqueca que um Dia... vira o tempo em que a Verdadeira Historia de Timor sera escrita nao exaltando os charlataes mas o s verdadeiros filhos de Timor. Uma das razoes porque o Ramos Horta se dedicou a politica ate ao ultimo suspiro e que sem o reconhecimento politico ele nao passa de um descendente de um 'deportado sem patria'que chupou o povinho ate os ossos. O senhor historiador quer fazer as suas pesquisas primeiro antes de escrever sobre Timor?

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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