segunda-feira, março 02, 2009

Entrevista ao representante do secretário-geral da ONU em Timor-Leste

Publico.pt

Atul Khare sobre Timor-Leste: “A crise estará lá, a questão é saber como vai ser resolvida”
27.02.2009 - 20h13 Francisca Gorjão Henriques

O representante do secretário-geral da ONU em Timor-Leste, Atul Khare, de visita a Lisboa, diz em entrevista ao PÚBLICO que a segurança melhorou, mas é preciso investir numa reforma do sector.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou no seu último relatório sobre Timor-Leste que o país sofreu “progressos notáveis” no último ano. Que tipo de progressos foram feitos?

O golpe de 2008, quando [o Presidente] José Ramos Horta e [o primeiro-ministro] Xanana Gusmão foram atacados, juntou as pessoas. É muito diferente da resposta dada em 2006, quando um grupo de peticionários levou a uma implosão social [morreram 37 pessoas], porque as instituições lutavam umas com as outras, os líderes não falavam uns com os outros. Nos acontecimentos de 2008, Mari Alkatiri [líder da Fretilin, na oposição] ligou a Xanana Gusmão no própria dia para manifestar a sua solidariedade e o parlamento trabalhou em conjunto para criar um estado de excepção.
Os deslocados [dos combates de 2006] começaram a regressar a casa, 58 campos já foram fechados, faltam cinco, que serão encerrados em Abril ou Maio. Houve também bons progressos nas áreas socio-económicas: mais construção, mais estradas arranjadas, programas para criação de emprego, mais investimento na educação e na saúde... Há um sentimento geral de que as coisas estão a progredir.

Isso tudo só num ano?

O processo começou em 2007, depois da crise de 2006 e da ONU ter aumentado os seus efectivos. Houve eleições bem sucedidas, a segurança estabilizou. Nos últimos meses foi feito um progresso considerável, o que nos dá optimismo. Mas há muitos desafios, nem tudo foi conseguido.

Quais são os desafios?

Primeiro: Revisão e reforma do sector de segurança, não só da polícia, como do exército, da segurança civil. Será um processo liderado por timorenses – nós somos estrangeiros e não podemos impor nada. Mas as linhas directivas terão de ser a profissionalização dos serviços, torná-los mais eficazes e mais competentes. É necessário um desenvolvimento institucional: o parlamento tem de promulgar as leis, se não, como pode a polícia saber o que fazer? É preciso uma lei de segurança nacional, uma lei de defesa, uma política de segurança nacional. Tudo tem de ocorrer de forma consensual entre todos os partidos políticos. Estabeleci um grupo de trabalho entre a ONU e a Fretilin sobre a reforma de segurança, porque a Fretilin tem de estar envolvida neste processo.

Tem o apoio do Governo?

O Governo está empenhado nisto. O Presidente Ramos-Horta criou um mecanismo tripartido, que envolve Governo, oposição e parlamento.
O segundo desafio: Fortalecer o estado de direito. O objectivo é criar um sistema timorense capaz de administrar a justiça. A nova resolução da ONU que foi adoptada há uma hora [na quinta-feira] faz uma avaliação do que é preciso ser feito. Não é apenas uma questão de haver delegados do Ministério Público ou advogados, mas também de quantos intérpretes, quantos tribunais, que casos vão ser ouvidos hoje, ou amanhã. É preciso avaliar as necessidades e os timorenses decidirem como preencher as lacunas que existem. Não é uma coisa imediata, levará três a cinco anos.
Terceiro: Melhoria das condições socio-económicas. Acho que o Governo já identificou algumas áreas críticas: melhorar as infra-estruturas, estradas, pontes e electricidade; melhorar a educação, melhorar a agricultura (Timor tem de importar quase 100 mil toneladas de arroz todos os anos), e para isso é preciso melhor a irrigação, adquirir tractores, fertilizantes, novas técnicas, novas sementes. [É importante o] Desenvolvimento rural: há muita migração interna para Díli e Bacau, mas as cidades não conseguem lidar com ela. E, finalmente, é preciso gerar emprego.
O quarto desafio é a promoção de uma cultura de governação democrática, que não é só realizar eleições, é depois das eleições assegurar a participação alargada no processo de decisão, consultas frequentes, líderes a falar uns com os outros, tentar encontrar soluções consensuais, compromissos. São coisas que parecem simples, mas que levam tempo a construir.
Isto é muito importante, porque o país terá muitas crises no futuro..., todos os países enfrentam algum tipo de crise. A crise estará lá, a questão é saber como vai ser resolvida. Será como em 2006, com os líderes e instituições à luta uns com os outros, ameaçando um colapso da sociedade? Ou de forma racional, como em 2008, com todos a reunirem-se para tentar ultrapassar este desafio? Se isso acontecer, então o país estará no rumo certo.

Falou em estado de direito, mas há quem afirme que existe um sentimento de impunidade no país (devido a alguns perdões presidenciais e aos crimes que não chegam a tribunal). Concorda?

Não acho que haja um sentimento de impunidade, mas acho que todas as acções têm de ser tomadas de forma a que não possa prevalecer uma cultura de impunidade. Não podemos ter uma democracia multipartidária sem um estado de direito forte. Acho que alguns perdões são possíveis e estão no direito constitucional do Presidente e devem ser feitos, mas como disse, de uma forma que promova a responsabilização, a promoção da verdade, e não a impunidade.

Mas não é isso que tem acontecido.

Não totalmente. É uma situação que nem é tão negra, nem tão clara, algures no meio. O Presidente Ramos-Horta concorda comigo que a justiça e a responsabilização são muito importantes e temos de trabalhar mais nisso.

Timor-Leste tem sido apresentado como um modelo de “nation-building” da ONU. Continua a ser?

É errado dizer que a ONU está envolvida em “nation-building”. As nações não são construídas por estrangeiros, são construídas pelo seu próprio povo. Isto é um bom exemplo de como a ONU teve a oportunidade de ser parceiro do povo timorense e de o ajudar nos seus esforços de construir uma nação. No momento em que acharmos que a ONU está a tentar construir nações, então acho que iremos falhar.
A ONU pode ajudar, e quanto a isso, sim, acho que tem sido um bom exemplo. Em 2005, declarámos o sucesso cedo demais, e foi por isso que tivemos o problema de 2006 [dos “peticionários”] e por isso, desta vez, digo às pessoas que há muitas histórias positivas, não há motins, não há manifestações, a situação acalmou, houve eleições pacíficas... Mas ainda assim, temos de continuar com a presença da ONU porque não podemos repetir o mau exemplo de 2004-2005, só podemos declarar sucesso quando tivermos a certeza de que há uma estabilidade sustentável. Agora há estabilidade, mas é frágil, pode ser quebrada.
O que precisamos de fazer desta vez, quanto à segurança, por exemplo, é permitir gradualmente que a polícia vá tomando cada vez mais responsabilidades e estarmos lá não para supervisionar, mas para monitorizar e dar assistência se for preciso. Em 2006 mal havia polícias da ONU e por isso eles não podiam fazer nada. É isso que temos de evitar desta vez.

Quando é que a ONU saberá que chegou a hora de sair de Timor?

Acho que em 2010, em Fevereiro, teremos de fazer uma avaliação, ver o que aconteceu entre agora e lá, e depois fazer um plano para todo o tipo de retirada, cuidadosamente. Isto pode levar um ou dois anos, não sei. Mas acho que se as próximas eleições democráticas, em 2012, forem igualmente pacíficas e bem sucedidas, então pode ser altura de a ONU dizer: ‘Sim, este é um país em desenvolvimento que precisa de ajuda, mas não precisa de uma operação de manutenção da paz, apenas ajuda ao seu desenvolvimento normal’.

Quais serão os parâmetros que vão determinar que chegou a hora?

Um deles é a forma como a polícia local consegue lidar com a segurança, o sucesso do processo de reformas do sector da segurança, o sucesso do sistema judicial e finalmente, quão implantada estará a cultura de governação para que a próxima crise possa ser respondida de forma razoável.

Em Março será feita a transição do comando policial para a Polícia Nacional de Timor Leste (PNTL). A PNTL está preparada?

Será feita distrito a distrito, unidade a unidade, depende dos critérios. Da última vez, em 2004-2005, cometemos um erro: estabelecemos um calendário. Desta vez, não quero um calendário. Eu disse ao Conselho de Segurança em Setembro que não quero calendário, que temos que estar atentos aos critérios.

Quais são?

O primeiro é desenvolvimento institucional: têm os procedimentos operacionais padrão? Sabem como usar a força? Não disparar... Ver se há número suficiente de oficiais. Se houver 80 por cento já é satisfatório. Têm a logística para fazer o seu trabalho? Podem lá estar pessoas, mas se não houver papel, canetas, livro para registar os casos, se não houver uma cadeira, uma farda, uma arma, como podem trabalhar? Às vezes podem precisar simplesmente de uma bicicleta ou de um cavalo. [Tem de haver] Confiança da comunidade na polícia local: um estudo concluiu que 80 por cento confia na PNTL, o que é muito bom.
Estão a decorrer estudos para ver quais os distritos mais preparados e que respondem totalmente a estes critérios. Há uma equipa conjunta da polícia da ONU e da polícia local para fazer essa avaliação... depois entregarão o seu relatório.

Há anos que polícia recebe apoio do estrangeiro. Porque é tão difícil criar uma força policial?

Não é difícil, já foi criada. O que é difícil não é ensinar um polícia a dar um tiro certeiro, para isso são preciso dois anos. Mas são precisos 30 anos para ensinar um polícia a não disparar. É esse o problema, e é o que leva mais tempo. É um trabalho diário.

O então correspondente da Lusa em Díli, Pedro Rosa Mendes, escreveu em Novembro, citando um funcionário da UNMIT, que entrar na ONU em Timor é ser politicamente intocável. Como comenta?

Não tenho comentários. Sou um democrata, as pessoas podem escrever o que quiserem. Respeito todas as opiniões. Mas acho que os dois últimos anos e meio falam por si.

Lança-se a suspeita de que a missão da ONU é uma extensão do Governo.

A resolução diz muito claramente: tudo o que temos de fazer é respeitar a soberania, independência e integridade territorial e a unidade nacional de Timor-Leste. Não estamos lá para substituir as autoridades, estamos lá para lhes dar assistência.
Todas as semanas me encontro com Ramos-Horta, Xanana Gusmão, o ex-primeiro-ministro Alkatiri, líderes da oposição. Todas as semanas! Para mim, autoridade nacional significa todos os partidos políticos, mesmo os que não estão no parlamento, oposição, sociedade civil...

Qual foi o maior erro da missão ao longo destes últimos dez anos?

É muito difícil quantificar. Durante o processo de ajudar um país a tornar-se numa nova nação há muitos erros que podem ser chamados assim à posteriori. Quando olhamos para trás vemos que foi um erro, mas na altura em que tomamos as decisões, as opções são limitadas.
Mas há lições a aprender. E uma delas é que não devemos ser demasiado rápidos a declarar sucesso. Eu disse ao Conselho de Segurança que serei o primeiro a mandar as pessoas embora se elas não forem necessárias. A minha missão até já fez um down-sizing. Mas acho que agora não é altura para diminuir os recursos. E por isso estou muito contente porque a resolução decidiu prolongar o mandato mantendo o mesmo nível [de pessoal e financeiro]. Expliquei que era preciso manter [o mandato] por um ano e com a mesma força.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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